sábado, 10 de abril de 2010

Confissões de Amy: "parece que eu me concluí".

Tenho a sensação de ter chegado. Mas onde? Precisamente onde lutei a vida inteira para não ir. Vivo o esgotamento irreversível do eu que fui e daquilo que me era confiável. Sinto que a consciência que me dá a continuidade na qual eu me reconheço se perdeu - naqueles seis segundos em que me desconcentrei. Eu me descontinuei e agora vejo a nulidade do meu esforço na tentativa de recuperar aquilo que em si é irrecuperável.

Sim, acabou. No entanto, sei que toda conclusão só significa fim em relação ao que era antes. Parece que despertei de um transe e só agora descobri que tinha entrado neste estado deliberadamente. Estou perplexa. Como me desprender do que fui para continuar a ser, se estou imersa na nostalgia do meu sentido perdido?

É que não sou suficientemente segura para ensaiar novas configurações de mim. Ou talvez dar ensejo a novas possibilidades significaria supor um eu transfigurado. E, se assim fosse, eu teria que sustentar uma outra conclusão cujas determinações me escapam.

...sem freqüentar o novo, estarei sempre diante de minha interpretação inicial...

De novo aquela sensação de solidão...

... sensação que nunca sai. Apenas se acalma por uns instantes que podem levar dias. Quando ressurge, porém, vem cada vez pior. É como se ela não fosse mais suportar. Desta vez, parecia que nunca tinha se sentido tão só em toda a sua vida. “Tudo bem, eu mesma já vivi outras solidões”, pensou. Contudo eram diferentes. Agora parecia que tinha se deparado com a pior das solidões: a solidão de si mesma. Como se ao se olhar, não se reconhecesse. Às vezes, desejava conversar consigo mesma, mas não havia ninguém dentro dela. Podia ouvir os ecos do seu vazio. O som do seu pensamento manifestava-se repetidas vezes. Intermináveis vezes.

Logo ela que outrora se via habitada por uma multiplicidade de sujeitos ao ponto de constantemente confundir-se e não saber quem era o seu sujeito hegemônico. Logo nela, todos haviam ido embora. Não se encontrava mais e já não conseguia suportar a dor de seu desaparecimento. Afinal, em que momento desaprendera a lidar consigo mesma, deixando-se escapar? Ou será que um dia realmente soube? Ou vivera, todo este tempo, a fantasia daquilo que não-era? Nem as coisas que costuma fazer refletem mais a si mesma. Nem se enxerga no que faz, nem se enxerga no que vê, nem se enxerga no que sente... Ela sente? Sim, ela sabe que está ali; é uma esperança.

Seus olhos encheram-se de lágrimas. Apesar de não saber o que faria, tinha que acreditar para conseguir continuar. Sabia que sempre que alguma coisa do passado insistia em permanecer no presente, fazia-lhe perder a perspectiva do futuro. Era como se não conseguisse mais ordenar a vida dentro da seqüência cronológica habitual - embora, eu mesmo, tenho observado frequentemente a sua dificuldade para lidar com a dimensão temporal.

Precisava encontrar uma solução, ainda que provisória, de se manter nela ou que a permitisse tornar-se, ao menos, suportável para ela mesma. E, assim, seguia repetindo “tinha que acreditar para conseguir continuar” ... “tinha que acreditar para continuar”... não podia desistir. E se não desistir for o problema? E se as coisas só se resolverem quando renunciar as soluções? Será que quando ela se declarar desistindo, aí sim estará verdadeiramente continuando?

Lembrou-se de momentos de sua vida; não queria ser ingrata, tudo o que viveu não permitiria isto agora... nem nunca. Bem sabia que tinha infinitamente mais do que precisava para viver verdadeiramente feliz por toda a eternidade. Como pode ter tudo, simplesmente tudo, e viver assim? Sua angústia existencial fazia-lhe acreditar que tudo não é o bastante. Estaria preparada para suportar receber mais que Tudo?